Por: Thiago de Aragão e Marcelo Suano
Artigo publicado na edição de fevereiro da Revista Voto
Desde que Napoleão III inventou a América Latina, que o México teve consciência de fazer parte dessa família. A lógica geográfica pouco influenciou nos sentimentos, no universo, na configuração e na organização político-administrativa do país, pois sempre seguiu o modelo ou, no mínimo, um estilo que os hermanos, incluindo o Brasil, constantemente adotaram.
Ao que tudo indica, caso não seja um pronunciamento vazio, Felipe Calderón redescobriu essa realidade quando, há algumas semanas, esteve na cerimônia de posse de Daniel Ortega como presidente da Nicarágua.
Anunciou que o futuro de seu país está nas relações com essa parte do continente. É uma afirmação interessante, pois obriga a refletir sobre a idéia de considerar que o seu futuro necessite da intensificação dessas relações.
O significado é mais amplo do que possa parecer. A partir do momento em que o México ingressou no Nafta que a economia do país deu um salto e cresceu. Durante muito tempo os mexicanos falavam um lamento característico de sua personalidade que diz mais ou menos: “triste México…Tão longe de Deus.. e tão perto dos Estados Unidos”. Quando o resultado do Nafta apareceu, não foram poucos no Brasil que disseram, parafraseando os mexicanos, “triste Brasil…Tão perto de Deus e tão longe dos Estados Unidos”.
As relações dos mexicanos com os latinos são um tanto quanto distantes e o acordo com os norte-americanos permitiu que a distância se concretizasse em comportamentos, mas o México, apesar de seu crescimento econômico, não se americanizou. Parece que se modernizou, mas não ocorreu transformação.
Às vezes, metaforicamente, lembra as favelas de Manaus, no norte do Brasil, no auge da Zona Franca na década de 70, que os turistas comentavam curiosos quando passeavam por lá para dar uma olhada.
As casinhas construídas de papelão e ripas de madeiras, todas paupérrimas, mas era só olhar direito que seriam notadas antenas e dentro, com certeza, encontraríamos uma TV de 24 polegadas (na época esta dimensão era moda), um vídeo K7 Panasonic, um aparelho de som enorme e um freezer. Do lado de fora um gato gigantesco no poste de luz de Aquariquara (uma madeira mais resistente ao tempo que o ferro) que era usada pelo governo para a iluminação pública.
Do gato saíam uns cinqüenta fios elétricos colocados pelos moradores para roubar energia, distribuindo-a pelas casinhas pobres. Sem ser ofensivo, modernizar sem civilizar, está configurado, precisamente, nessa imagem.
Os problemas que Calderón terá de solucionar são ainda aqueles típicos de um país subdesenvolvido, mesmo que, hoje, as modas não sejam mais as TVs de 24 polegadas, mas as de 29, e os termos sejam mais doces como: “em desenvolvimento”, ao invés de subdesenvolvido; “nacionalizar”, ao invés de estatizar, e “socialismo do século XXI”, ao invés de comunismo, stalinismo etc.
No México há problemas de infra-estrutura; os mexicanos necessitam fazer uma reforma fiscal para dar lógica ao sistema tributário; ainda é necessário fazer também a reforma do Estado com o enxugamento da máquina administrativa, além de ser preciso equacionar, urgentemente, a questão da corrupção política.
Esses problemas, talvez seja mais adequado denominar características, são os mesmos encontrados em qualquer país ao sul do Rio Grande americano. Listá-los numa plataforma eleitoral ou num programa de governo como problemas que precisam ser resolvidos pelo presidente eleito, cairia perfeitamente em qualquer país do continente, exceto EUA e Canadá, que são os anglo-saxões da história.
Mas, voltar-se para as suas raízes não pode estar significando nostalgia, romantismo, muito menos um retrocesso. O México percebeu que há limites para ser anglo-saxão, mesmo que os EUA estejam se latinizando. O Nafta não se configurou como um Bloco dos sonhos e nem os americanos abriram suas fronteiras. Pior, o governo Bush quer construir um muro!
Os latinos, contudo, têm surpreendido. Apesar dos governos de esquerda, está ocorrendo um crescimento econômico poucas vezes visto na história da região e temos ficado sob os holofotes tempo suficiente para gerar efeitos ao marketing das empresas, dos governos e dos países (porque não?). As previsões para economia mundial em 2007 e 2008 são de queda, mas, aqui, ainda se prevê que ela será menor e vários dos sul-americanos têm mantido um ritmo acelerado.
Se somarmos todos os PIBs, com certeza somos inferiores à Europa, aos japoneses e aos norte-americanos. Mas, temos um mercado da dimensão de uma grande Itália e isso é atraente.
Com as políticas de investimento que têm sido apresentadas pelos governos e as projeções de poder realizadas por Chavez, distribuindo dinheiro por toda a região, a América Latina, apesar das deficiências crônicas, parecer ser um campo no qual seja possível plantar. E os mexicanos não podem ficar de fora.
O primeiro passo foi reunir-se com Ortega e negociar investimentos em infra-estrutura e na indústria hidroelétrica. Ainda há o que caminhar, mas o presidente nicaragüense mostrou que está interessado nessa parceria.
Calderón terá de amansar Chávez. Ele é o líder que despertou um anão e tornou-o gigante, enquanto os gigantes ficaram “adormecidos em berços esplêndidos” atrofiando-se com menos de 3% de crescimento anual.
Se Chávez é o Leão a ser controlado, a aproximação com a Nicarágua poderá vir a constituir-se numa boa cabeça de ponte. Daniel tem boas relações com Hugo e não quer ofender os EUA, que têm boas relações com o México.
Os mexicanos terão alguns trabalhos, pois necessitarão vencer uma grande distância geográfica que se concretizou nesses últimos anos, mas há parceiros que na se farão de rogados para receber investimentos, como a Argentina, o Chile, a Colômbia, o Peru, o Uruguai, lo Paraguai e o Brasil.
É possível que Calderón esteja percebendo essa brecha e, se planejar corretamente, poderá receber apoio dos norte-americanos para entabular parcerias. Caso a idéia do novo presidente mexicano, hegelianamente, se fenomenize, teremos um belo parceiro de dança que, infelizmente, estava sentado no baile latino americano.
Mas somos obrigados a destacar que, para sorte deles, e nossa, não estavam deitados eternamente em berço…Salve! Salve!